Luís Freitas Lobo: Jesus fez evoluir muitos jogadores mas Matic foi ao contrário...

Jesus afirmou que esteve a trabalhar Matic durante dois anos para ser o jogador que é. Vítor Pereira fala que Moutinho evoluiu em termos de jogo e que Jackson é hoje diferente de quando chegou. Jesualdo, no Sporting, inventou um miúdo, Dier, de júnior para sénior, de defesa para médio. Paulo Fonseca, no Paços, refez a cabeça do talento de Josué.

A capacidade de um treinador para (re)criar um jogador é assim tão poderosa? Sem ele, esse jogador estaria condenado a ser sempre um jogador... diferente? Todos os casos têm especificidades, mas um aspeto fundamental que, antes do jogo, faz um bom treinador, é perceber de jogadores, (re)conhece-los , avaliar o que podem fazer.

Quando se debate o crescimento de jogadores, recordo sempre um antigo jogador sul-americano quando lhe perguntavam porque tinha mudado tanto de uma época para a outra e a influência do treinador nisso: Deu-lhe mais liberdade? Foi a nova posição? Foi jogar mais na frente? 

Meio confuso,respondeu: «Não, o mister apenas deixou-me... ser eu próprio!»

Existem casos em que um treinador muda mesmo o rendimento de um jogador. O lado mental (quando consegue comunicar melhor com ele do que os seus antecessores) e a passagem de júnior a sénior (quando tem mais sensibilidade para trabalhar a formação/maturação de jovens). São situações evidentes (de Josué a Dier) mas que fogem à questão como aqui a coloco. Fazer crescer, mudar ou trabalhar, o jogador já maduro.

Matic não ficou um jogador diferente do que era há dois anos no Vitesse. Nessa altura já era este tipo de jogador (claro que evoluiu, como todos, em experiências/rigor tático, mas não mudou a essência). Todos recordam o pânico tático que assaltava o Benfica quando Javi García não podia jogar. O problema não era que o substituto Matic não fosse bom jogador. O problema era porque Matic não fazia o mesmo que Javi! Em vez de ser um trinco posicional, era mais pivô de construção.

Matic foi agora eleito o melhor jogador da Liga. Não o foi fazendo as mesmas coisas que fazia Javi. Dessa forma, seria impossível. Foi jogando o seu futebol, o que sempre teve para mostrar.

A chave do êxito de Matic está, pois, naquela resposta do jogador sul-americano: «o mister deixou-me ser!» . 

Duvido que se Javi não tivesse saído fosse possível estarmos hoje a falar de Matic nestes termos. Jesus fez, sem dúvida, evoluir muitos jogadores. Matic foi ao contrário. Quando ele entrou no onze quem evoluiu foi a... equipa (e o seu jogo nesse espaço).

Moutinho é uma máquina de futebol que vive/evolui para além de qualquer treinador. Jackson, sim, é diferente. É um produto de aculturação europeia onde a transmissão de novos conceitos de movimentação (porque os espaços e marcações são muito diferentes) por parte do treinador são decisivos. 

Em suma, um treinador fazer crescer jogadores passa muito por existir coincidência da forma como ele quer (ou é obrigado) a jogar. 

- Luis Freitas Lobo, jornal A Bola, 10 de Julho de 2013