Está a chegar ao fim a novela Cardozo. Como era inevitável, o paraguaio partirá por não haver alternativa ao ato irrefletido que protagonizou no final da Taça de Portugal. Não é tempo agora de medir as consequências desportivas do adeus, mas de avaliar a extensão disciplinar de quem pôs em causa a autoridade do treinador aos olhos de toda a gente.
Com ou sem Jorge Jesus, o futuro de Tacuara na Luz seria sempre altamente problemático, porque não é possível viver totalmente em paz com um homem que se comporta daquela forma destemperada com um superior hierárquico, mais ainda numa atividade pública.
Luís Filipe Vieira seguiu o instinto e manteve a convicção de que JJ é o homem ideal para o Benfica; resistiu à corrente interna que lhe pedia outra decisão e manteve o impulso inicial. O futuro de Cardozo ficou traçado no instante em que o presidente manteve o voto de confiança no treinador.
E, desse modo, não fazia qualquer sentido LFV escolher JJ para depois forçá-lo a trabalhar com alguém que lhe faltou ao respeito. O longo processo de transferência do avançado nunca pareceu manifestação de dúvida quanto ao desfecho da história. Mesmo considerando o apelo real de indulto (Eusébio intercedeu pelo perdão), o senso comum diz-nos o essencial: Cardozo não pode continuar no Benfica.
A atitude do jogador transportou ainda o peso da ingratidão sobre o seu principal defensor, aquele que o elevou de dispensável a mito da história encarnada. Se 160 golos pelas águias dessem a Tacuara o direito de abordar JJ em tom ameaçador, com dedo em riste e a empurrá-lo perante milhares de pessoas, CR7 e Messi estavam desde já autorizados a torturar qualquer treinador ou presidente, como, onde e quando entendessem.
O que se passou no Jamor ultrapassou o futebol: foi um episódio que envolveu relações humanas; um diferendo que pôs em causa a harmonia de toda a comunidade e que só tinha uma solução para encarar o futuro sem grãos de areia na engrenagem.
-Rui Dias, jornal Record, 28 de Julho de 2013
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