segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

João Querido Manha: "Um dia, ouviremos mais confissões sem ter de recorrer ao YouTube"


Nada será como dantes no desporto mundial, depois da confissão de Lance Armstrong, que não foi um campeão esporádico nem se vangloriava de métodos milagrosos ou ajudas providenciais. 

Nem leite de rena nem sangue de tartaruga iam sendo associados aos consecutivos triunfos do americano na mais difícil competição, mas apenas força, espírito e trabalho. 

Lance Armstrong era o campeão perfeito. O que a confissão trouxe de novo foi um olhar de desconfiança para os super-homens numa atividade que, precisamente, só subsiste se criar e renovar ciclicamente os seus ídolos.

Talvez Armstrong tenha exagerado, devia ter-lhe bastado ganhar duas ou três vezes, como tantos outros, e retirar-se para gozar a fortuna sem ter de se envergonhar perante os filhos e a história. 

Michael Phelps, Usain Bolt, Roger Federer, Tiger Woods e mais alguns atletas ditos do outro mundo não podem sentir-se beliscados por esta tremenda desilusão, mas sabem que terminaram os dias de pureza. 

Também eles desenvolveram o perigoso vício dos triunfos e alimentam-se do insaciável desejo de vencer sempre, eventualmente a qualquer preço. 

O doping não é, porém, o único delito privado por trás da pública virtude dos campeões. Nos desportos coletivos como o futebol, em que as infrações individuais se diluem nos resultados globais, a corrupção desportiva e o tráfico de influências são mentiras muito mais graves e recompensadoras, de certa forma generalizadas até ao nível do inconfessável. 

Será este o legado de Lance Armstrong: obrigar-nos a relativizar a glória dos homens providenciais, dando uma margem de desconto a todos aqueles que, ao contrário do ciclista americano, fazem questão de sublinhar os seus triunfos frequentes com a arrogância dos que se consideram intocáveis. 

Um dia, ouviremos mais confissões sem ter de recorrer ao YouTube.» 

- João Querido Manha, jornal Record, 20 de Janeiro de 2013

2 comentários:

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