Vítor Serpa: Jesus não é um fingidor

Jesus diz que o Benfica tem um plantel mais equilibrado. É, apenas, uma verdade quantitativa. O Benfica tem tantos jogadores que mesmo sujeito a uma marcante onda de lesões acaba por continuar a ter vários jogadores para cada lugar. A questão é: será isso um bem, em si mesmo ou um mal proveniente de um género de indigestão de jogadores na barriga de um único plantel?

Pessoalmente penso que o Benfica tem jogadores a mais no seu plantel. Dificulta a escolha do técnico, mas isso não é o mais importante, dificulta a estabilidade necessária e o relacionamento do grupo.
Não há nada que garanta - antes pelo contrário - que um plantel de trinta ou até mesmo de quarenta jogadores é melhor do que um plantel de vinte. Pode dizer-se que se o Benfica não tivesse seis jogadores para as alas, agora estaria sem soluções. Não é verdade. A lógica de um plantel relativamente reduzido é a do rigor, da competência, do equilíbrio e, ao mesmo tempo, da polivalência.

A verdade é que neste início de temporada tudo correu mal ao Benfica. Muita coisa por culpa própria, alguma coisa por culpa das circunstâncias. Apenas com três jornadas vencidas (ou perdidas) o Benfica tem necessidade de pensar que recomeça do zero. Será interessante ver se Jorge Jesus volta a ser um treinador vibrantemente interventivo, mas cheio de energia e de alma cheia, ou se continuará a ser um treinador vibrantemente interventivo, mas dramaticamente perdido e de alma triste.

Penso que toda aquela tristeza que a equipa do Benfica não conseguiu esconder neste início de época é o resultado do contágio da tristeza amarga de um técnico que se sente desamparado, diariamente acossado e em profunda solidão.

Jesus não é um fingidor. Um homem telúrico e impulsivo como ele raramente consegue esconder o que lhe vai na alma. O seu temperamento é uma virtude na força, mas, ao mesmo tempo, um enorme defeito na fraqueza e na dúvida. Julgo que o problema maior da atitude dos jogadores do Benfica em campo está na natureza do momento algo depressivo por que passa o seu líder de grupo.

Jesus sentir-se-á traído. Por gente de dentro e por gente de fora, de quem esperaria - vá lá saber-se porquê - uma lealdade à prova de maus momentos. A ideia que tenho é que nem o homem nem o profissional estavam preparados para essa realidade do futebol. Muito menos quando não tem uma estrutura que o envolva e o defenda da excessiva exposição pública. Há um mal estar que pesa no ar que os jogadores do Benfica respiram e faltará agora saber se este intervalo de quinze dias contribuiu, ou não, de forma decisiva para uma drástica alteração do estado de espírito. Não faltarão sequer muitas horas para o podermos saber.

A verdade é que serão muito raros os que estão na disposição de entender que um homem que ganha milhões num país de tostões se possa dar ao luxo de ter sentimentos, emoções e sensações de tristeza. De facto, Jesus não pode contar com muita solidariedade. Deve apenas contar com ele, com o seu caráter, com a sua força interior para dar a volta e acender a apagada chama da equipa que lidera.

Nota Importante - Claro que esta é a visão menor de quem não tem outro engenho que não seja o de analisar os homens e as suas circunstâncias para poder dar uma simples opinião. Nada de especial, ou de outro mundo, como a visão maior do bruxo de Fafe que explicou na televisão que ou Benfica faz o que ele diz, ou continuará embruxado para o resto do campeonato. E a verdade é que eu acho que é mais fácil Jesus acreditar nesta visão do que na minha. 

- Vítor Serpa, jornal A Bola, 14 de Setembro de 2013