João Querido Manha: O arrefecimento de Jorge Jesus

Jorge Jesus está diferente. A prosápia que lhe construiu o perfil de pouca humildade que faz as delícias dos caricaturistas dá agora lugar a um discurso mais frio, distante, mal-amanhado, que, para já, retira emoção e calor ao projeto encarnado, meio utópico, mas desafiante, de vir a disputar a final da Champions no próprio estádio. 

Só nestes dias, desvalorizou com sobranceria a exclusão de Cortez da lista da Champions, apontando-o aos jogos da Liga, algo que vai regressar à discussão dentro de algumas semanas quando se verificar que o brasileiro nem na Champions, nem da Liga. Ontem disse mais uma barbaridade, referindo-se a Enzo Pérez como um jogador que não dura 90 minutos, o que as estatísticas desmentem, mas os adversários agradecem. Ambas as declarações, acopladas ao "sapo Cardozo" e a repetição sistemática de que a prioridade é o campeonato e não a prova europeia, vão construindo um novo perfil do treinador do Benfica, menos exuberante, mas igualmente petulante. Um Jesus que não se redime, mas tomou consciência da falta de paciência dos benfiquistas para as suas hipérboles filosóficas.

É neste contexto de surpreendente indecisão de um treinador que dava a imagem de nunca ter dúvidas e raramente se enganar que o Benfica inaugura esta noite uma caminhada europeia sonhada há décadas. Uma final de Campeões no Estádio da Luz era um cartaz desejado pelos benfiquistas desde os anos 60 do século passado e para ser ganha, mas, agora que o desejo se realiza, parece que acordaram para uma realidade cruel e assumem que nunca teriam possibilidade de lá chegar.

As assistências no Estádio da Luz estão em queda. Este jogo com o Paços de Ferreira foi o que menos espectadores registou quando comparado com todas as segundas apresentações do Benfica em casa nas quatro temporadas anteriores com o mesmo treinador. Resta a curiosidade para ver como este arrefecimento súbito de Jorge Jesus contribui, ou não, para um afastamento de muitos adeptos e sócios indecisos entre o lugar cativo e a mensalidade da Benfica TV.

Na certeza de que os 63.847 espectadores que assistiram à estreia na Champions anterior nem por sombras serão atingidos, porque também não há comparação possível entre o Anderlecht e o Barcelona, este estado de espírito é intrigante: havia mais entusiasmo há um ano perante um jogo perdido à partida do que hoje na perspetiva real de um importante triunfo europeu. 

E o, agora, frio Jorge Jesus está na origem desta desconfiança. 

- João Querido Manha, jornal Record, 17 de Setembro de 2013