domingo, 5 de maio de 2013

Vítor Serpa: Benfica contra os ventos da história



Nona final europeia para o Benfica. A curiosidade maior é que acontece ao ano em que o poder político e económico da Alemanha se juntou, com alguma naturalidade, o poder desportivo, com o Bayern de Munique e o Borússia de Dortmund a dominarem ‘autoritariamente’ e a discutirem entre eles o título de campeão europeu. 

Ora o Benfica, ao contrário dos clubes germânicos, pertence a um país sobre assistência financeira, um país que os alemães recriminarem por ter um povo que, supostamente, vivia acima das suas possibilidades, embora muito abaixo das condições de vida dos alemães. O Benfica torna-se, pois, num caso de estudo. Aliás, não apenas o Benfica , mas todo o futebol português, onde, apesar das suas grandezas e misérias, há um enclave da vida pública que teima em resistir como setor de notável excelência internacional

É verdade que um dos maiores fatores de sedução popular do futebol é essa espantosa capacodade dos pequenos se poderem confrontar com os grandes, no fundo, um eufemismo desportivo para designar ricos. O futebol é uma exceção à regra da combinação direta entre a riqueza e o sucesso e por isso garantiu a paixão do povo. Porque permite o desafio do poder económico e do poder político, porque recusa a submissão sem luta, a derrota sem combate.

Não deixa de ser curioso pensar que o futebol é um reduto de capacidade, dee compet~encia, de valor e de poder da Europa do Sul. Coisa pouca ou, até mesmo, irrisória, dirão muitos. É notório que o futebol não resolve a dívida externa, nem nenhuma das grandes questões de uma sociedade onde a economia manda sobre tudo e todos. Mas se o futebol não tiver, mesmo, importância nenhuma, a verdade é que essa seria uma péssima notícia para países como Portugal, Espanha, Grécia ou Itália.

O futebol pode não ter a importância da economia, que não lhe verá reconhecida suficiente grandeza de indústria, mas não tem a importância da filosofia, que lhe reconhece uma surpreendente dimensão humana. Ora a questão da importância está no conceito. Sabr se é mais importante o dinheiro, ou o homem. Dirão os economistas que o mais importante é o dinheiro na mão do homem. Dirão os filósofos que o maior perigo social é precisamente o do homem nas mãos do dinheiro.

O que me parece irrebatível é que um sucesso, ao mais alto nível, de um clube ou de uma seleção nacional de um país que viva subjugado às políticas e aos interesses do poder económico internacional se transforma numa ilha de resistência e ajuda a preservar alguma dignidade nacional, alguma autonomia cultural, alguma consciência patriótica.

Por isso, a qualificação do Benfica para esta final europeia em Amesterdão, não é, apenas, um excelente serviço prestado ao país. Tal como aconteceu com o FC Porto nas suas brilhantes vitórias internacionais. Tal como acontece coma Seleção , quando se consagra entre as melhores seleções, num contexto de dimensão mundial.

Esta nona final do Benfica é, pois, conseguida num momento historicamente adverso. Principalmente, porque os poderes do futebol também se tornaram insaciáveis e, por isso, se deixam cada vez mas seduzir pelos poderes políticos e económicos, criando competições preparadas para o maior lucro possível. Mais uma razão para valorizarmos o sucesso do Benfica. Mais uma razão para o sentirmos como um admirável serviço público prestado a este pobre país emocionalmente arrasado e descrente.

Serão as minhas palavras manifestamente exageradas para a simples dimensão desportiva do feito? Não, não são, porque a dimensão do feito não é meramente desportivo, a não ser ao solhos míopes dos que não veem mais de um palmo à fente dos seus narizes.» 


- Vítor Serpa, jornal A Bola, 4 de Maio de 2013

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