segunda-feira, 6 de maio de 2013

Rui Dias sobre Matic: "Faz parte das mais extraordinárias obras-primas de Jorge Jesus"



1. Quando o Inter Milão, a meio da época 1997/98, contratou Paulo Sousa ao Borussia Dortmund, estava implícita a carência de um determinado tipo de jogador, cujas características, de resto, eram sobejamente conhecidas em Itália. Ao fim de poucos dias a trabalhar sob o comando de Gigi Simoni, o internacional português ouviu o treinador dizer-lhe o que esperava da sua contribuição. Que fosse um recuperador e resolvesse os problemas seguintes a esse primeiro passo de duas formas: pontapé para a frente à procura de Ronaldo (Fenómeno) ou galgar terreno pela via de correrias com a bola dominada. O treinador, que tinha Simeone, Zé Elias, Winter e Nicola Berti para cumprir a tarefa, não queria um geómetra; queria mais um para ajudar à limpeza da casa. 

2. A mesma função pode ser desempenhada de formas distintas. Qualquer equipa pode jogar bem e ser eficaz, por exemplo, a partir de médios-centro tão diferentes como Javi García e Matic. Pode organizar-se taticamente pelo posicionamento de uma unidade mais estrita, que assimila e cumpre todos os princípios definidos pelo treinador; mas também pode fazê-lo recorrendo a quem, menos perfeito nessa tarefa, eleve o talento para patamares superiores de excelência, à custa da melhor relação com a bola e das soluções técnicas que levam a zonas mais adiantadas. Jorge Jesus mostrou-nos que um não é melhor do que o outro e que o segredo é definir o modelo de jogo tendo em conta as características do número 6. Disparate foi o de Simoni quando pediu a um dos melhores médios da história do futebol para varrer o chão.

3. O jogo de Matic tem as marcas da eficácia e é uma constante fonte geradora de emoções, porque preserva a inteligência, apela à superação e é um exemplo de orgulho no que faz. Atingiu tal ponto de maturação de argumentos táticos e de intervenção no jogo que já faz parte das mais extraordinárias obras-primas de Jorge Jesus - e isso traduzir-se-á em números quando chegar o momento de negociar a inevitável transferência. Mas mesmo reconhecendo que a evolução de um jogador está ligada à visão e aos conselhos do mestre, a parte maior de responsabilidade na consolidação de competências tem a ver com o talento e o desejo de aprender do aluno. Matic soube interpretar as causas de um ano como subalterno de Javi García, entendeu que o tempo jogava a favor e tornou-se num fenómeno.

4. Matic é um jogador abrangente que zela pelo equilíbrio da equipa. Mas essa é só parte de uma verdade mais ampla e complexa. À semelhança dos futebolistas mais extraordinários, não se limita a ser referência coletiva do exército que defende: dita as regras no campo de batalha, administra a guerra, é o dono do espetáculo. Não exerce tirando coelhos da cartola mas cumpre o senso comum com tanta perfeição e intensidade que chega a ser surpreendente e deslumbrante. Matic é o gregário que assume o trabalho sujo mas também veste o fato e a gravata para dialogar com os artistas. Mais do que referência do Benfica e expoente máximo da Liga portuguesa, tornou-se um médio como, de momento, não existe outro na Europa. Seria titular em qualquer dos semifinalistas da Champions. É um craque de dimensão mundial.» 


- Rui Dias, jornal Record, 5 de Maio de 2013

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